Os degraus do coração

Quem se deu ao trabalho de ler o post anterior, sabe que estou a provar do meu próprio "veneno". Este título foi o que atirei à fronha daquela que só diz disparates para que ela desenvolvesse no seu blog. Mas acordo é acordo. Combinámos discorrer sobre o tema anterior e sobre este. E eu sou de honrar os meus compromissos. Talvez o faça com uma visão mais pessimista, mais dura... A visão da Teia, como sempre.

 

Imaginem uma escadaria enorme, à imagem do Bom Jesus de Braga, por exemplo. Vista de baixo, é de uma grandiosidade que nos leva a pensar duas vezes antes que nos decidamos a subi-la, pelo esforço que exige.

Possivelmente não serei a única, mas consigo facilmente transferir a metáfora da escadaria para as relações que estabeleço com os outros. Essa escadaria é o coração. Com poucos degraus para uns, com degraus quase a perder de vista para outros.

À nascença, há quem teoricamente atinja o topo da nossa escadaria de forma natural: os pais, a família. E digo teoricamente porque é comum ouvirmos a expressão "A família não se pode escolher", ou seja, há quem não sinta pelos "seus" o amor que seria suposto sentir, por motivos que não interessa agora dissecar .

Mas e os outros, os que não fazem parte do seio familiar? Como fazem essa escalada?

Para mim, a velocidade com que se sobe os degraus depende não só do do dono da escadaria, mas também de quem pretende subi-la.

 

Há quem, por ingenuidade ou boa-fé excessivas, permita um acesso fácil e rápido ao cume do coração, colocando uma espécie de escada rolante. Não exige esforço, não há cansaço, não há qualquer obstáculo. Para muitos... a escadaria ideal. Mas a rapidez com que atingem o cimo é semelhante àquela com que abandonam esse coração que os recebeu com tanto facilitismo. E esse coração vive num constante entra-e-sai. Ninguém permanece por muito tempo e muito menos... para sempre.

 

Temos depois aquela escadaria com que mais me identifico. Feita de muitos degraus, de pedra tosca, sem polimento e que, inevitavelmente, não agrada a toda a gente, sobretudo aos que esperavam encontrar a tal escada rolante. Mas mesmo com aspecto mais rude, há quem se empenhe em tentar ir conquistando cada um dos degraus ao ritmo imposto pelo dono do coração...

Há quem se empenhe e dê provas de querer ir até ao fim independemente de tudo, não recuando um só passo; quem chegue a meio caminho e não consiga ir mais longe por falta de persistência, de carácter e, consequentemente, por lhe ser vedado o acesso aos restantes degraus. Há ainda quem se fique por uns míseros degraus, mostrando pouca ou nenhuma capacidade de luta na conquista dum espaço no nosso coração. São aqueles a quem, sem qualquer remorso, indicamos a porta de saída.

Mas  o pior é quando aqueles a quem, finalmente, autorizámos que pisassem o derradeiro degrau e se instalassem confortavelmente na nossa vida, nos decepcionam, nos ferem, deixam de ser merecedores da nossa confiança, do nosso respeito, da nossa amizade ou do nosso amor. Aqueles que por terem atingido o lugar cimeiro no nosso coração, julgam que nada mais resta a fazer ou resolvem tirar a pele de "cordeiro" com que subiram os degraus e mostrar a de "lobo" que sempre envergaram de forma muito bem dissimulada. A estes nunca colocámos escadas rolantes, mas, em muitos degraus, estendemos a mão para que a escalada não fosse tão penosa ou demorada.

E o que lhes acontece depois de tudo isto? Recebem ordem de despejo! São atirados escada abaixo a uma velocidade vertiginosa para que a queda seja tão dolorosa quanto a mágoa que provocaram... E jamais lhes será dada uma nova oportunidade de colocar o pé num único degrau que seja.

 

Visão insensível... a minha? Talvez sim... talvez não...

 (Sting -  Shape Of My Heart)

 

publicado por Teia d´Aranha às 18:06 | Comentar