Quando o silêncio não é de ouro

 

O ritual cumpriu-se. Não o das doze passas, o da subida para uma cadeira ou o da moedinha na mão. Cumpriu-se o ritual de limpar números de telefone que não passavam disso mesmo: números. Como já dei a entender tantas vezes, não possuo a faceta de coleccionadora. Guardo apenas o que me preenche, o que me completa. E essa mania alastra-se às pessoas também.

Não consigo evitar. E admito que não seja uma qualidade. Que seja até injusto.

 

Há uns dias, tive a prova dessa injustiça. Determinada pessoa enviou-me uma mensagem, após três anos de silêncio, pedindo-me encarecidamente que lhe explicasse a razão do meu desaparecimento e de a ter, por assim dizer, riscado da minha vida sem uma explicação prévia.

Só consegui apresentar um motivo: "foste "vítima" de uma fase da minha vida em que me cansei... Nem sempre sou uma pessoa fácil de entender... ou quase nunca sou". A explicação parece vaga, mas foi totalmente honesta.

 

Esta situação trouxe-me à memória um outro episódio, vivido num dia de Natal: um telefonema do meu 1º namorado, de quem já nada sabia há 8 anos. Era (e é), há muito, um capítulo da minha vida mais do que encerrado.

Ele, segundo me contou, sentiu necessidade de saber o que era feito de mim, como é que eu estava. Tinha tido, pouco tempo antes, um grave acidente que o fez estar hospitalizado e, nesse tempo, fui uma das pessoas que lhe assaltou a memória. Não tendo já o meu contacto e estando eu já a morar noutro local, deu-se ao trabalho de ligar para vários números de pessoas que moravam na minha antiga rua e, assim, conseguiu o contacto de um familiar meu e, por conseguinte, chegar a mim.

 

Nem sempre sabemos o quão importantes somos ou fomos para determinadas pessoas até que elas nos digam. Nem sempre o silêncio e a distância nos afastam, mas fazem-nos, frequentemente, duvidar do lugar que possamos ocupar na vida dos outros. Nem sempre o silêncio é de ouro. O silêncio é bem-vindo quando interrompido por gestos e por palavras. O silêncio prolongado arrefece sentimentos e apaga lembranças. E, um belo dia, quando nos lembramos de o quebrar ou  quando tentamos preenchê-lo ou até apagá-lo... pode já ser  tarde demais.

 

Esta é uma lição que eu própria tenho de aprender: a de que não devo afastar as pessoas da minha vida sem antes procurar saber o estrago que essa atitude poderá provocar. E, caso esse afastamento seja inevitável, ter pelo menos a decência de o explicar.

 

Não esquecer também que quando gostamos de alguém, seja de quem for, há que dizê-lo, há que demonstrá-lo, pois o dom de ver o que está encerrado dentro das pessoas... só Blimunda o possuía e, que eu saiba, não passa de uma personagem criada por Saramago.

 

 

 

publicado por Teia d´Aranha às 19:08 | Comentar