Retrato da minha vida
Tenho andado sem energia. Sem tempo. Sem ânimo. Sem dinheiro. Talvez não seja a única. A crise económica, o pessimismo, a falta de confiança no futuro, o medo do colapso chegaram a todo o lado... e a todos.
O domingo até costuma ser o meu melhor dia da semana. Sobretudo quando o sol se deixa de caprichos e dá um ar da sua graça. O povo sai à rua e sempre dá para animar... ou dava.
Hoje está a ser um domingo diferente. As ruas estão praticamente desertas. Evita-se sair à rua e, consequentemente, gastar dinheiro.
Alguns casais, a maioria já de idade avançada, vêm até à praia, mas estacionam o carro na marginal e ali ficam. Normalmente, ele vai lendo o jornal ou ouvindo uma estação de rádio local, acabando, não raras vezes, por adormecer. Ela, munida da agulha de crochet, vai dando laçadas e traçando desenhos que lhe desviam o pensamento daquela vida tão sem sabor. De quando em vez, desvia o olhar para algum dos poucos casais que passeiam de mãos dadas e sente nostalgia do tempo em que aquela imagem era sua e daquele homem que ressona ao seu lado. Não sabe porque tudo se tornara tão diferente, mas também já não quer saber. Já não estou em idade de mudar o que quer que seja, pensa ela.
Devem estar a pensar em que é que tudo isto me afecta. Mais do que possam imaginar... Sinto, cada vez mais, que o meu optimisto e a minha capacidade de lutar me foram roubados. E é no auge deste meu sentimento que me vou abaixo, que me afundo no desalento e que mergulho num sono profundo, desejando, secretamente, não mais sair dele...