Sexta-feira. Há muito que estava programado, mas só agora o meu desejo de partir iria concretizar-se. Sozinha desta vez.
A minha mania da organização, levou-me a confirmar, uma vez mais, que tudo aquilo de que iria precisar estava dentro daquela mala, embora tudo se cingisse a escassas peças de roupa, um livro, máquina fotográfica e outros pequenos objectos pessoais.
Seria apenas um fim-de-semana, mas daria certamente para colocar as ideias em ordem, descansar e sentir que estava viva.
Paris esperava-me. Não precisava de mapas, de roteiros, de lista de locais a visitar. Conhecia a "Cidade das Luzes" quase como a palma das minhas mãos. Ansiava por sentir o burburinho das grandes avenidas, por me misturar no meio da multidão matizada de culturas e raças diversas, por me sentar na esplanada de um bistrot com vista para o Sena.
Coloquei o bilhete de avião no saco e dei volta à casa para ter a certeza que todas as janelas ficariam bem fechadas e nenhuma luz acesa. Não havia mais tempo a perder. Nessa noite dormiria já longe daqui.
Em pouco mais de uma hora estava no aeroporto. Pouca gente para efectuar o check-in, não dando sequer tempo de aumentar a minha ansiedade. Dirigi-me para a porta de embarque que me fora indicada e, de repente, um som estridente invade-me os ouvidos, a ponto de enlouquecer...
... Estico o braço, acabo com aquele barulho e penso: "F*da-se! Cabrão!Filho da p&ta! C*ralhinho do despertador!!! Logo agora que eu ia embarcar!!!"
Não havia volta a dar... Era 2ª feira, início de mais uma semana de trabalho.
Quando ainda ontem eu planeava uma viagem a Paris, onde não vou há alguns anos, e colocava a hipótese de ir até à Invicta neste fim-de-semana... eis que passo a noite a sonhar que me deslocava por tudo quanto era sítio... de patins em linha!!!
Mas será que aquele filho da p#&a que anda a aumentar os combustíveis dia-sim dia-também nem nos sonhos me larga os calcantes?!
(Se pensas que vou para Paris ou para o Porto de patins em linha ou à boleia de um camião TIR qualquer, estás muito enganado! Começa mas é a pensar em parar de nos f&#er a carteira e vê lá se a tua vidinha não te chega... Caso contrário, nem queiras saber o que o povo em polvorosa consegue fazer com um bidão de gasolina e um fósforo...)
Tal como estava previsto, o meu dia de ontem, teve início com uma deslocação a Coimbra por motivos profissionais. Como além da minha pessoa, ia apenas mais um colega, decidimos levar apenas um carro... o dele. À hora e no local combinados, lá estávamos.
A viagem decorreu sem incidentes: conversa para aqui, conversa para acolá; música baixa, quase imperceptível, como convém quando trocamos dois dedos de conversa com alguém. Até aqui... tudo bem! Até o sol ajudava a esquecer que ia em trabalho.
10h30: reunião que durou duas horas e meia e que veio a revelar-se mais proveitosa do que eu tinha previsto. Saí satisfeita, embora tenha ficado com a sensação de que vai efectivamente "sobrar para mim".
Mas do que eu nem sequer suspeitava, era do que me esperava na viagem de regresso!
Como já tínhamos, eu e o meu colega, conversado bastante sobre trabalho toda a santa manhã e como a nossa relação é estritamente profissional, o silêncio instalou-se de forma natural... E o que fariam vocês no lugar dele? Provavelmente, o que eu também faria se fosse o meu carro: ligaria o "cantante", o auto-rádio! E assim foi... o silêncio foi substituído pela música.
Como sou uma mocinha que, mal ouve umas notas musicais, fica de "orelha em pé" e se põe a desbravar as letras... nem sequer queria acreditar no que me entrava pelos ouvidos adentro!
Primeiro ainda pensei: " O gajo nem sequer estás a reparar que tem esta cena sintonizada num apeadeiro qualquer." E rapidamente desviei o olhar para o tablier do carro, tentando descortinar que raio de rádio seria aquela. "Nãããããããoooooo... Estou a ver mal", pensei. Não, não estava a ver mal! Estava mesmo escrito "CD"! O gajo tinha aquilo gravado!!!
Daquela música, saíam frases como: "Te amo do fundo do meu coração", "Um homem e uma mulher pró que der e vier", "É tanto amor, tanto querer", num português com sotaque brasileiro e que vim, após "pesquisa", a descobrir ser cantada por uma dupla chamada... (nem acredito que vou escrever isto!)... Leandro e Leonardo. E todo o CD andava à volta da mesma temática: juras de amor eterno!
Naquele momento, pensei que o quadro não poderia ficar mais negro do que já estava. O quadro... negro e eu... verde e quase a espumar-me! Estava redondamente enganada! A coisa atingiu o clímax quando o meu colega resolve que a dupla passaria a... tripla... e toca de acompanhá-los naquela verborreia melosa. Esta foi a parte em que quase saltei do carro em andamento em plena auto-estrada... mas depois, pensando melhor, achei que rebentar-me toda por causa de um Leandro e de um Leonardo não era de todo justificável.
Eu até admito que frases como as que ilustravam aquelas músicas pudessem mesmo chegar a dar vontade de... acasalar, mas noutro contexto! Junto a um pé de jaca, numa fazenda do Brasil profundo... bem profundo... bem lá no interior! Mas, ali, no carro, em plena A1, não fazia qualquer sentido! Como podia aquele tipo, apenas uns meses mais velho do que eu, ter aqueles gostos?!
De repente, tocou o telemóvel dele... YES! Ele ia, pelo menos, baixar o volume! Efectivamente... baixou e atendeu a chamada em alta-voz. Era a mulher a perguntar se almoçariam juntos. E quando eu achei que nada mais me poderia surpreender naquela viagem... eis que surge a "cereja em cima do bolo"... Eles tratavam-se por "filho" e "filha"!!! Que m**da de relação era aquela?! DDDDDAAAASSSSSEEEEE!!!!!!
Assim que cheguei a casa, só tinha um desejo: expurgar aquele sentimentalismo de trazer por casa com que fui brindada durante 45 minutos... Se assim pensei, mais depressa o fiz: pus-me a ouvir, uns decibeís acima do aconselhado, a música que vos deixo e que me fez renascer. E pensei que, apesar de tudo... "Life is beautiful"! Só espero que "o feitiço não se vire contra o feiticeiro" e que sejam vocês a achar que os meus gostos também são duvidosos... What do you think?